domingo, 29 de abril de 2012

O cheiro de Maio se aproxima



Um aroma difícil de descrever, porém, bom de sentir. Cheiros remetem lembranças, assim como lembranças também remetem cheiros, e esse é um dom que eu tenho.


Cheiro de tempo gélido, de boas histórias lidas, de uma árvore que acabou de tomar um banho do céu. É estonteante sentir o meu Maio mais do que em sentimentos. Mensagens trocadas até tarde, músicas escutadas em um colchão de ar, um bolo assando no forno, a devoção aos livros; tudo isso também compõe o seu cenário.


O casaco cinza para proteger do frio gostoso da época, a Inglaterra e o seu inglês, a magia e suas técnicas de feitiçaria. Ah Maio! Um dia ainda consigo explicar o significado que você tem para mim. Seu cheiro já incita o meu olfato, então seja bem vindo, mais uma vez.


Heitor Gabriel

terça-feira, 24 de abril de 2012

Assassino de mim mesmo

Eu matei um cara. Matei e tentei limpar de minhas mãos manchas que estavam impregnadas em mim, mais profundas que somente na pele, na veia, seguindo para o coração. Sem obter êxito, usei luvas pra tentar esconder aquele crime que vivia junto a mim, me denunciando onde quer que eu fosse. Matei, mas já faz alguns anos, talvez todos já tenham até se acostumado com a sua ausência, de tão poucas que foram as noticias recebidas. Matei, porque tem vezes que não conseguimos mais guardar dentro de nós uma vida confusa, onde nunca se sabe quem amar, quem ouvir, quem odiar, em quem acreditar. Matei, e foi a mim mesmo, uma parte que me incomodava, que não conseguia mais vê-la junto comigo. Então simplesmente matei, e matei bem matado.

Heitor Gabriel

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Era exatamente 23h19min quando olhou para o relógio. Aquele barulho tão familiar da madrugada sempre o fazendo demorar a dormir. O quê haveria de tão misterioso nele? Mesmo sendo tão repetitivo, era gostoso de escutar. Muitas memórias eram resgatadas ao ouvi-lo, como no dia em que teve sua melhor transa: “Eu agarrava o cabelo dela, sufocante de tanto cheiro, com uma força delicada, fazendo-a gemer de prazer”. O cheiro do tesão no ar misturado com o suor da pele de dois amantes, agora é sempre lembrado quando o som começa a tocar. Flashes de quando ainda era menino e tinha medo do escuro, vinham em seus pensamentos também: “Eu saia correndo para o colo da minha mãe para me sentir protegido”. E por fim, eram passados em sua mente os melhores momentos vividos com seus verdadeiros amigos.

Mas de onde é que vem esse som?” Estava começando a incomodar, por achar que era o vizinho maluco que colocava essa mesma música, que jamais tinha sido ouvida em outro lugar, a não ser ali, em sua cama, quando estava sozinho e pronto para dormir.

Só que mal sabia ele, que o som era simplesmente criado por sua própria cabeça, e gritava todas as noites mais alto do que o barulho dos carros que passavam lá fora. Mal sabia ele que era simplesmente, o som da solidão.

Heitor Gabriel

domingo, 22 de abril de 2012

Se permitido for, a vida acaba virando uma monotonia. O frio do mundo que atinge a minha pele me faz achar que estou mais morto do que vivo. É preciso extravasar para voltar a encontrar o espaço no mundo que o pertence, quando existem tantas coisas que precisam ser feitas diariamente da mesma forma, no mesmo badalar do ponteiro. Mudar o caminho, seguir pela outra rua, mesmo que o destino seja o mesmo. Sentir dor, tristeza, agonia, alegria. Sentir as alterações da dança nos ossos, da beleza nos olhos, do perfume no olfato, do álcool no cérebro. Sentir o suor pingar, dando os sinais de que sim: eu estou vivo.

A palavra é sentir.
Heitor Gabriel

quinta-feira, 19 de abril de 2012

17h59min. Em tão poucos segundos, grandes mudanças. Precisão, pontualidade, uma antítese escancarada. O cair da tarde me remete muitas emoções. O crepúsculo do céu, que é tomado aos poucos pela escuridão ao passo em que a luz vai enfraquecendo, restando apenas quase que uma penumbra, trás junto consigo a melancolia através de sua vermelhidão.


E o tempo estático é quebrado pelo canto de uma cigarra.


Uma repetição sem fim, até o fim, até quando o mundo não nos pertencer mais. O adeus momentâneo ao sol vai sempre me fazer sentir o que é estar vivo. E do lado de fora, uma ventania fria e convidativa, mas que ao mesmo tempo trás a sensação de que tudo pode ir embora rápido demais.


- Será que ele vai voltar? E se um dia ele não voltar?


Então esse será o dia do silêncio da cigarra.

Heitor Gabriel
Dor. Física mesmo. Mas que apesar disso, leva instantaneamente a uma dor psicológica.


Um dos piores sentimentos que existem é o de ser erroneamente jugado, e pra piorar ainda mais, quando você não tem argumentos para contestar sua inocência. Na maioria das vezes interpretada como preguiça, corpo mole, imundice, nem sabe a pessoa que ouvir essas palavras só faz tudo piorar. Parecendo não poder ficar mais podre, de tão maduro que já é, tudo isso vem de perto, de bem perto.


Tentar achar soluções para o que parece ser o problema, não resolve. Remediar, muito menos. Estou entregue a uma vida em que sofrer leva a sofrer, e assim sofrendo vou.


Heitor Gabriel
Nos abismos dos meus pensamentos, recolho memórias. Refletidas em minhas retinas elas são, me fazendo viajar no tempo. Em meu próprio barco a velas eu vou, sentindo a brisa da maré, que já trouxe até medo por muito tempo. Uma visão translúcida do que já foi vivido, mas um sentimento intenso. E quando de repente quebra-se a régua, junto com ela, vai um pedaço do menino sonhador guardado no coração, onde os primeiros planos e projetos foram feitos com a sua ajuda. Mesmo sendo tão pregado o desapego material, objetos podem carregar a difícil missão de guiar o barco até uma outra dimensão, uma dimensão só sua e de mais ninguém. Um mundo privado que é a mente, onde está registrado tudo o que mais significa e já significou. É o meu eu dentro de mim, mas que é tão frágil, tão frágil, que pode ser atingido até mesmo pelo simples quebrar de uma régua.
Heitor Gabriel

terça-feira, 17 de abril de 2012

A casa velha, a primeira casa, sempre guarda muitas histórias. Uma rua ainda descalçada, deixando-a ligada com o resto da civilização que às vezes parece nem existir, uma lagoa bem à frente, árvores ao seu redor, e um carrinho na prateleira. Viadutos, gigantescos prédios, as maiores e mais modernas construções do planeta, estradas sem fim. Tudo isso dentro de um quintal, tudo isso dentro da imaginação de alguém que só quer alcançar a prateleira, e sair para brincar com o seu carrinho.
Heitor Gabriel

segunda-feira, 16 de abril de 2012

E quando você quer muito que algo aconteça, nunca acontece. Acreditar ser o único adepto involuntário à Lei de Murphy não é um sentimento exclusivo, é do próprio ser humano. Um ser em que a ganância é soberana, onde o desejo de ter tudo e da forma mais fácil é a força que regi e move as emoções. Não estou só falando dele, deixo claro que você e eu estamos inclusos, afinal, fazemos parte dessa cadeia predatória que vai além do que é retratado em livros de biologia. Parece até hipocrisia, mas pior que isso, é tentar mascarar e fingir, o que não é ou o que não sente. Uma maquiagem interna que é passada todos os dias ao levantar, tornando a mentira e a falsidade uma rotina. Aonde vamos parar? Não sei, e prefiro descer na próxima estação, a esperar pela resposta.

Heitor Gabriel
     E num momento em que menos esperava, jogado nesse mundo eu fui. As nuvens não me seguraram como sempre imaginava, e jogado nesse mundo eu fui. Tentei bater minhas asas, mas como um sopro, o vento as carregou para longe, pena após pena, então jogado nesse mundo eu fui. Passei a viver. Ora querendo voltar para a imensidão azul, ora querendo ser apresentado ao que ainda não conhecia. O tempo passou, e o medo da partida vai corroendo os pensamentos de quem um dia tanto desejou voltar.


     Sim, uma partida ao contrário, onde se inicia do fim para um novo começo, ou até mesmo para um recomeço. E o pior é que às vezes, mesmo a volta vindo com aceitação, o maior medo pode se tornar a eterna falta de uma resposta para uma simples pergunta, como a que porque jogado nesse mundo eu fui.



Heitor Gabriel
Sou simplesmente um dos mais que habitam esse universo de tamanha imensidão. Tantos foram os dilemas criados ao longo dos tempos de existência, muitos para não serem ouvidos, muitos para serem desregrados. Quem sabe a vida não é criar o seu próprio significado? Quem sabe a vida não está aí para ser vivida? Sou simplesmente o único eu que habita esse universo de tamanha imensidão.


Heitor Gabriel